terça-feira, 24 de setembro de 2013

A difícil tarefa de desvendar uma cultura

Clichês culturais: nem tanto ao mar, nem tanto à terra

O problema desse negócio de cultura é que algumas questões são tão sutis que só podem ser apreendidas por experiência própria. Por mais que te falem, contem, narrem, não adianta, você vai ter que viver, observar e então tirar suas próprias conclusões. Sempre defendi os franceses daqueles que reclamam de uma possível falta de hospitalidade na terra do Charles-de-Gaulles, normalmente associada à má vontade em falar o idioma do Tio Sam: "não é que os franceses não querem falar inglês, eles não SABEM falar inglês. Como no Brasil, a maior parte da população não fala inglês...", tento argumentar.

No entanto, começo a pensar que talvez exista mesmo uma lacuna entre o que brasileiros e franceses entendem como "acolher". Não é que eles tenham mesmo essa tal má vontade, ou que sejam fechados e xenofóbicos. Simplesmente eles não sabem muito bem como se aproximar das pessoas, talvez por medo de estar invadindo o espaço alheio, talvez por alguma síndrome de chapeuzinho vermelho, que ensina desde cedo a desconfiar do desconhecido. 

Quando morava em Lyon, eu estava sempre rodeada por outros estrangeiros perdidos e sem amigos. Meu contato com franceses, além de menos frequente, era norteado por circunstâncias mais propícias a uma aproximação natural. Em Paris, sou uma estrangeira numa turma de 24 franceses, com professores franceses, numa escola francesa. Sim, as pessoas são simpáticas, me convidam para almoçar e adoraram o convite para uma soirée no meu apartamento na próxima sexta-feira. Ainda assim, me sinto bastante perdida e deslocada. Como conquistar a amizade de um francês? Eis minha grande questão. 

Ok, amizades propriamente ditas se conquistam com o tempo. Mas admito, no Brasil as pessoas parecem bem mais acolhedoras, no sentido de te deixarem mais à vontade para se aproximar. Repito, não que os franceses sejam mal-humorados, mal-educados e fechados. Eles só não demonstram muito afeto e simpatia gratuitamente. É o tal negócio da cultura... 
  
P.s.: Apesar do estranhamento inicial, tenho bons indícios para acreditar que meus colegas gostam de mim, em apenas 7 dias úteis de curso. Na sexta-feira da semana passada, fomos informados de que teremos um ciclo de conferências sobre organizações internacionais e que dois alunos deveriam ser escolhidos para ajudar a organizar os eventos. A princípio o professor pediu que votássemos, mas depois decidiu tirar cara ou coroa. Depois da aula, algumas pessoas vieram me falar: "que pena que você não foi sorteada, eu ia votar em você". 

P.s.2: As aulas têm sido ótimas, os professores têm bastante experiência e sabem o que dizem. Às vezes me perco durante um caso relacionado a algo que aconteceu na França, alguma expressão idiomática ou ainda uma pronúncia francesamente em inglês, mas peço ajuda a quem está do lado e tudo fica bem. Nenhum colega tentou ser metido ou esnobe até agora (do tipo "quero-me-exibir-e-não-perguntar-de-fato") e venho até recebendo elogios pelos trabalhos de escrita. Super, quoi!

terça-feira, 17 de setembro de 2013

1, 2, 3, valendo!


 
Le Rhône, fachada da Ópera de Lyon, vista do último andar da Ópera, 
Geneviève e eu, vista da janela-varanda em Paris  


Neste capítulo:
1. Primeira viagem de ônibus na zoropa
2. Lyon
3. Um quarto para chamar de meu
4. Primeiro dia de aula

Primeira viagem de ônibus na zoropa
Mesmo em Paris a rodoviária é feia. O banheiro não é exatamente limpo e as pessoas têm aquele ar entediado de quem preferiria não passar seis horas dentro de um ônibus. Era o meu caso. Acontece que deixei para comprar a passagem de última hora e agora tenho mais de 25 anos, o que significa que o TGV sairia bem caro. Pelo menos a estrada é duplicada, com três faixas de cada lado, e impecavelmente plana e bem sinalizada. O carro vem de Amsterdam, passando por Bruxelas e Lille. Acabou atrasando 40 minutos na entrada de Paris, por causa de um acidente. Fiz amizade com o motorista, de origem árabe (como a maior parte dos motoristas da Eurolines) e fui sentada bem na frente, olhando a paisagem. A parada foi em um Graal de luxo, com croissants no lugar das coxinhas. Cheguei a Lyon 23h50, peguei a linha C19 e por volta de meia noite e dez pude abraçar a Geneviève.

Lyon
É estranho sentir vontade de abraçar uma cidade? Pois foi assim que me senti em Lyon. Em casa, em paz, feliz. Quinta-feira cedo, Geneviève me levou para conhecer o novo quartier da cidade, o Confluence, que leva esse nome porque fica localizado bem onde o rio Rhône encontra seu amigo Saone. Assistimos "Le Majordome" (The Butler), filmaço que deve arrasar no Oscar. De tarde estive na escola de francês e descobri que quase todas as minhas ex-professoras estão de licença maternidade. Depois saí andando. Às margens do Rhône, Hotel de Vile, Cordelier, Place Bellecour... Fazia sol e as ruas não estavam repletas de turistas, nem de gente mal-humorada querendo passar por cima da sua cabeça. Me senti como se estivesse voltando à cidade onde cresci depois de 20 anos sem aparecer por lá.

No dia seguinte, Geneviève recebeu uma amiga e uma de suas ex estudantes no almoço. A amiga eu já conhecia e é quase tão simpática quanto minha mère française. A ex-estudante é chinesa, tem uns quarenta anos e mora na França há mais de 20. De tarde, Geneviève e eu caminhamos bastante no centro, por isso, à noite não conseguimos fazer nada além de jantar (com um bom vinho rosé, bien sur) e dormir. Sábado fui passear com a Elcita, a colombiana que mora lá atualmente. Era o "Dia do patrimônio", então todos os monumentos da cidade estavam de portas abertas para o público. Fomos à Ópera conhecer um pouco dos bastidores e depois caminhamos para a Vieux Lyon, com uma parada no Berthom.

Domingo voltei para Paris logo cedo. Geneviève fez sanduíches para eu comer na estrada e, junto com a Elcita, foi me levar à rodoviária. Prometi voltar logo. Em seguida prometi a mim mesma voltar de TGV.

Um quarto para chamar de meu
Na terça à noite, antes de ir para Lyon, recebemos a ilustre visita do Monsieur proprietário em Montrouge e assinamos o contrato de locação. O contrato dizia que o apartamento era mobiliado, mas ainda não tínhamos sofá, cortinas, cama, colchão e outras coisinhas básicas. Cheguei no domingo por volta das 16 horas e tudo isso estava em seu devido lugar. Tenho uma cama de casal só pra mim, uma cortina bem escura, uma janela-varanda e muitos metros quadrados para distribuir meus pertences. A sala tem tapetes, poltrona, luminárias, dois sofás e uma mesa de jantar enorme. Meus roomates são simpáticos, divertidos e tranquilos. Como nem tudo é perfeito, leva uma hora de metrô para chegar ao Celsa. C'est pas grave!

Primeiro dia de aula
7h da manhã. Escuro. Frio. Levanto sem nem esperar o despertador tocar novamente. Primeiro dia de aula! Aeee, vou conhecer coleguinhas e professores! Vou saber o horário das aulas! Vou descobrir como tudo funciona! Da última fileira do auditório, escuto a diretora dando as boas-vindas a todos. Ela explica algumas coisas sobre a escola, fala sobre o BDE (Bureau des Elèves = Diretório Acadêmico), a empresa Júnior, o grupo de teatro. Em seguida, cada turma segue para uma sala. "A coordenadora do curso está presa no trânsito, então vamos fazer o teste de nivelamento para as turmas de espanhol e alemão". As 11h, Madame Le Breton entra na sala e explica que metade da turma chegou ao Celsa no último ano da Licence (graduação). A outra metade fez uma prova bem difícil para entrar no M2 (segundo ano de mestrado). Uma aluna foi recrutada pelo Campus France. "Ah sim, parabéns a todos, mas especialmente à Fernanda, que veio do Brasil". Depois ela conta que já teremos uma prova no dia 30 de setembro, explica o programa do semestre detalhadamente e entrega uma folha com os horários até o começo de outubro. C'est parti!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Últimas dias de verão


A semana passada deve ter sido a mais ensolarada do ano em Paris. Céu de brigadeiro todos os dias, calor na medida (sem ser de matar) e gramados repletos de pessoas vestidas em trajes de banho. O fim do verão se aproxima, bem como o fim das férias. Profitons-en alors!*

Foi o que eu fiz, ou pelo menos tentei. Segunda-feira caminhei 50 minutos até a praça Saint-Michel, para conhecer a sorveteria onde a Flávia, minha futura roomate, está trabalhando. Amorino é o nome do lugar. Você escolhe um tamanho de casquinha ou copinho e pede quantos sabores quiser. As atendentes dão um jeito de fazer caber e ainda montam uma flor de sorvete. Recomendo! De lá, resolvi visitar o jardim de Luxemburgo, passando pela Sorbonne. Andei mais bocado e tirei belas fotos.

Terça-feira, como já contei, visitei o Celsa. Saindo de lá, aproveitei para conhecer os arredores. A paisagem é um pouco diferente da Paris turística. Poucas pessoas na rua, prédios novos e mais altos, calçadas mais largas e menos sujeira nas ruas. Ali perto, atravessando uma ponte sobre o Sena, fica Courbevoie, um bairro-cidade com cara de interior. De lá peguei um ônibus até o La Défense, dei uma volta no shopping, não comprei nada e voltei para casa cedo (por volta das 17h30).

Quarta aproveitei para conhecer o Parc de La Vilette, no nordeste de Paris. Complemento da cité des sciences et de l'industrie, ele é um pouco diferente dos outros e abriga cinemas 3D sobre a vida polar, um simulador de submarinos e coisas parecidas. Andei bastante, mas ainda tive forças para pegar um metrô e subir a escadaria da Sacré-Coeur. Chegando lá em cima percebi que foi uma péssima ideia. O calor, a multidão e a fome me deixaram bastante irritada. Perdi a vontade de passear às margens do Sena ao entardecer.

Quinta-feira, o irmão da moça que me alugou o apartamento veio buscar suas coisas junto com o pai. Ele tinha esquecido a roupa molhada dentro da máquina de lavar. Como não achei um varal, ela ficou lá uns cinco dias... O pai ficou satisfeito ao ver o apartamento em ordem e comentou como era bom ter uma menina em casa. De tarde saí para caminhar e de noite fui à Montrouge, para uma pequena soirée com os roomates.

Sexta-feira de manhã estive na Sorbonne, fazendo minha inscrição administrativa. Meu rendez-vous estava marcado para 10h40. Peguei uma fila errada, tive que sair para fazer cópias, depois lembrei que tinha que comprar envelopes... Resultado: cheguei lá quase meio dia. Felizmente ninguém reclamou e saí com minha carteirinha de estudante e inscrição na securité sociale. De noite fui a um bar-balada, comemorar o aniversário de uma amiga de amigos. Na volta, sofri um semi-atropelamento de bicicleta. O sujeito apareceu do nada (ou surgiu do meio da escuridão), correndo loucamente e ainda ficou me xingando porque eu tinha atravessado com o sinal vermelho (ele não tinha luzinha nem buzina). Por sorte, só arranhei a mão direita e fiquei com o braço esquerdo doendo.

Sábado fiz um piquenique comigo mesma no champ-de-mars e aproveitei para ficar lendo no gramado. Ontem fui ao cinema assistir "Gare du nord". Não gostei muito. Talvez eu tenha me desacostumado com a maneira francesa de (não) demonstrar sentimentos, ou talvez faltasse mesmo um pouco de emoção.

Amanhã, finalmente, mudo para o meu apartamento definitivo e quarta vou para Lyon. À bientôt!

*Tradução = aproveitemos então!

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

77, rue de villiers


Fachada do Celsa, em Neuilly-sur-seine. Exibir mapa ampliado 

Um dia antes de embarcar para a Europa, recebi um e-mail da coordenadora do meu curso: "Bom dia Fernanda, você não confirmou sua vinda para o master 2 comunicação empresarial e das organizações internacionais, por isso estou em vias de considerar a sua desistência. Caso você confirme, peço que complete o modelo de CV anexo".

Gelei. Como assim não confirmei? Confirmei sim e já mandei meu currículo. E agora? Ai meu Deus!

Reencaminhei o e-mail que havia enviado em julho, mandei outro e-mail anexando novamente o CV, mas não me dei por satisfeita e resolvi ligar para ela.

- Pode ficar tranquila Fernanda, está tudo certo, recebi seu e-mail. Realmente, você já havia me enviado seu CV...
- Ufa, que bom, porque meu voo é amanhã.
- Você chega que dia? Quer vir conhecer a escola antes do início das aulas?
- Quero sim!
- Pode ser na terça de manhã?
- Pode sim!
- Então estarei te aguardando.

Às 11 horas, como combinado, madame Guérin (pronúncia: guêrrã) estava me esperando no segundo andar do número 77, na rua Villiers, em Neuilly-sur-Seine. Depois de desejar boas-vindas, ela me mostrou o programa do semestre e explicou que nenhuma semana será igual a outra, pois muitos professores vêm de grandes empresas e nem sempre conseguem confirmar com antecedência. As aulas podem acontecer entre 9h e 20h e eventualmente aos sábados. Teremos muitos trabalhos e quase nenhum tempo para respirar. Terça-feira é o dia dos idiomas. Nas aulas de inglês, o conteúdo será voltado para o universo da comunicação. As aulas de espanhol (ou alemão, para quem preferir) serão realizadas em pequenos grupos, de acordo com o nível de cada um.

Na maior parte do tempo, seremos 26 em sala. Metade desse pessoal está no Celsa há 3 anos, desde o último ano da licence (graduação). Perguntei se haveria muitos estrangeiros. "Hmm. Acho que além de você, só mais um, de origem algeriana", disse, olhando a lista de aprovados. Em seguida ela me contou que já teve uma aluna brasileira, chamada Fernanda. "Ela era uma das melhores da turma. Fez um estágio na L'Óreal e foi chamada para ser coordenadora no Rio de Janeiro". Inshallah!

Por fim, fizemos um breve tour pelo prédio, que não é muito grande, mas é bem acolhedor. A todos que encontrávamos no caminho, ela dizia, com um certo ar de satisfação: "essa é nossa estudante brasileira, ela veio pelo Campus France, vai entrar no M2".

Deixei o prédio contando os dias para voltar lá, no próximo dia 16.

Clique aqui para fazer uma visita virtual ao Celsa.

domingo, 1 de setembro de 2013

Midi à Paris*

*Meio-dia em Paris



Foi mais ou menos nesse horário que cheguei aqui. Depois de nove horas de voo de Belo Horizonte até Lisboa, quatro horas de fuso horário, três de espera no aeroporto, duas e meia até Orly, mais uma hora de fuso, quarenta minutos de ônibus até o centro e dez minutos de táxi até o destino final. Dois anos depois de ter dito "au revoir la France". Menos de dois meses após o tão esperado e-mail do Celsa.

Fazia sol, não estava nem quente nem frio e a torre (Eiffel) brilhava pra mim na linha do horizonte. Mesmo assim, eu só quis dormir (com 12 meses pela frente, pude me dar esse luxo). Por enquanto, estou hospedada no 15eme, pertinho do champ-de-mars, no apartamento de uma moça simpática que estudou no Celsa e agora mora em Londres (viva o Facebook!). Fica no segundo andar, porta da direita, mas o elevador é tão pequeno que achei mais prudente colocar as malas e subir de escada. Deu certo.

Em mais ou menos dez dias mudo pra Montrouge, na periferia. Fica a umas duas avenidas de Paris, dez minutos a pé, três de metrô. Vou morar com dois brasileiros (viva mesmo o Facebook!), o Fabio e a Flávia. Não que tenha sido fácil achar moradia em Paris, mas depois de várias tentativas frustadas, a sorte resolveu me ajudar. O apartamento é grande, o quartier é bem simpático e vamos alugar direto com o proprietário. Alegria, alegria, alegria.

Como as aulas só começam dia 16, tenho ainda duas semanas de turista pela frente, enquanto resolvo uma coisinha aqui e outra ali (abrir conta no banco, fazer o cartão do metrô).  Aos poucos também vou me acostumando com a diferença de horário e com essa história de ter sol até as 21h. Já comprei um chip de celular, dei entrada no pedido da carte de séjour, comi framboesa, passeei às margens do Sena, fui à Apple Store e ganhei um iphone novo (porque o wi fi do antigo não funcionava mais), subi até o segundo andar da torre pela escada, andei do 15eme até quase na Opéra e, claro, peguei o metrô errado. A meta agora é dormir, acordar e almoçar de acordo com o horário local. E que venham as aulas!

p.s.: ok, eu me rendo, os parisienses são mesmo muito mal-humorados. Já passei maus bocados na loja de celular e no guichê do metrô, mas juro que em Lyon era diferente...