quarta-feira, 15 de junho de 2011

C'est parce que...

"C'est parce qu'il pleut que tu pleures/C'est quand tu souris qu'il fait beau"
É porque está chovendo que você chora/ (mas) é quando você sorri que fica ensolarado


Todos os dias eu tento pegar o ônibus de 8h07 para chegar na escola antes da aula ter começado. Obviamente, na maioria dos dias eu não consigo e pego o de 8h16. Normalmente chego na praça Bellecour (onde pego o metrô) às 8h30 (8h40, no máximo, se tiver engarrafamento).

Normalmente... Mas hoje, justo hoje, só porque eu tinha prova do Delf (o exame oficial de francês, reconhecido por todas as universidades, empresas, enfim, todo mundo), dei de cara com um engarrafamento monstruoso. Para começar, o ônibus de 8h16 chegou 8h20. Daí em 20 minutos a gente chegou no segundo ponto depois do meu (no qual eu chegaria em 5 minutos a pé). No meio do caminho o motorista falou que todas as ruas na beira do rio estavam bloqueadas, então ele não iria à praça Bellecour, onde era meu exame, mas à Perrache - e quem quisesse ir para Bellecour pegasse o metrô.

Cheguei em Perrache 8h55. Saí correndo pra pegar o metrô. Depois saí correndo para chegar ao local da prova e, quando cheguei, esbaforida, desesperada, eram 9h06. Nisso veio um anjo em forma de examinadora e me mandou entrar e ficar calma, sem nem perguntar nada. Sentei, acalmei, tomei água e fiz a prova tranquila. Como já expliquei, estou no C1 e fiz a prova do B2, para ter certeza de que eu ia passar. Amanhã ainda tem a prova oral, mas nem estou preocupada.

Falando em prova, não passei no mestrado. Eu fiz o mesmo exame que os franceses e meu texto foi corrigido com os mesmos critérios. Em português talvez eu tivesse passado... Depois da notícia eu fiquei, obviamente, arrasada, deprimida, me sentindo a pior das criaturas do universo e com medo de voltar para o Brasil e nunca mais voltar para cá. Mas depois de muito conversar com meus amigos, minha mãe e ontem com o Thibaut, coloquei a cabeça no lugar e vi que vai ser bom para mim ir embora em agosto, quando meu visto expira.

Todo intercâmbio tem fases. Primeiro eu senti muita saudade de casa, morria por um pão de queijo ou farofa, escutava samba o dia inteiro. Depois eu comecei a amar a França e nunca mais querer ir embora. Mas agora estou na fase do saco cheio de tudo (da falta de higiene, da frieza e formalidade das pessoas, da vida de garçonete, da escola, etc). Pra piorar minha situação todas as minhas amigas brasileiras foram embora...

Fato é que ontem minha professora chamou a orientadora pedagógica da escola para reclamar que eu não estava sendo muito agradável em sala de aula. Ela tem razão, mas expliquei que estou de saco cheio de ver mil vezes a mesma matéria (o discurso indireto, o subjuntivo) e nunca ver as coisas que ainda tenho dificuldade (alguns tipos de pronome) - já pedi à professora para rever, mas ela me disse que isso é coisa de atelier e eu não faço atelier porque trabalho. Elas me falaram, como sempre, que entendem a minha situação, mas eu estou num curso em grupo e elas não podem se adaptar às minhas necessidades. Mais tarde voltei na escola e falei com a orientadora que eu estava insatisfeita com a minha professora, que só lê o material que ela prepara e não explica nada direito. Ela falou que vai ver com os outros alunos se procede.

Minha relação com a escola já não ia muito bem e agora ficou ainda pior. Resolvi que o dia que eu estiver com sono não vou à aula, pois é fato que o meu progresso rápido no idioma se deve muito mais a minha convivência com franceses do que a qualquer aula (e se erro menos na escrita que outros colegas é de tanto falar no gtalk com o Thibaut).

Além da aula, estou de saco do trabalho como garçonete (é isso que paga minhas contas, mas não foi para isso que estudei...), de não morar na minha casa (Genevieve é ótima, mas minha cama é dura, não tenho espaço suficiente no armário e por aí vai. No começo tudo isso fica em segundo plano, mas à medida em que a empolgação vai passando a gente volta a ter as mesmas exigência de antes. Só que tudo isso não significa que desisti da França. Pelo contrário, vou para o Brasil em agosto justamente para me preparar para voltar em outra condição - inscrita numa universidade francesa, com a possibilidade de arrumar um emprego um pouco mais intelectual e menos braçal.

Até ontem eu estava ainda bem triste, mas conversei com o Thibaut e fiquei mais tranquila. Ele me deu total apoio para voltar, procurar um emprego que me agrade, ficar perto dos meus amigos e da minha família e vai tentar ir ao Brasil no carnaval. Ontem comemoramos 3 meses juntos. Fomos a um restaurante brasileiro na Vieux Lyon (foi ele quem descobriu e fez a reserva) e depois passeamos um pouco pela cidade.

Agora a única coisa na qual eu consigo me concentrar é na chegada da minha família depois de depois de amanhã. Comprei ingredientes para fazer uma torta praline (especialidade lionessa: um tipo de amêndoa confeitada), Genevieve comprou um champagne. Também já comprei bilhetes para subir na Torre Eiffeil, conhecer o palácio de Versalhes e o Vaticano.

Curioso é que, semana passada, enquanto minha vida estava um caos, eu estava irritada com tudo, brigando com todo mundo, deprimida o tempo todo, o tempo estava cinza, chovendo e meio frio. Hoje o sol veio com tudo e acho que vai durar um bom tempo.

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Les "hopitô" publiques*

*A escrita correta seria hopitaux, plural de hospital, mas preferi enfatizar a pronúncia...

Ontem eu estava decidida a chegar em casa e postar (pra limpar um pouco as teias de aranha), mas em vez disso cheguei em casa morrendo de dor de estômago, resolvi ir para o hospital e vivi uma desagradável aventura com o serviço público francês.

Já vou explicar o que aconteceu, mas antes preciso fazer um breve resumo da minha vida nas últimas duas semanas e meia. Como contei no último post, comecei a trabalhar também como babá e venho me saindo super bem - mas, mais do que nunca, tenho certeza de que não quero ter filhos tão cedo. O mais velho tem 4 anos. Fora as traquinagens normais de um menino dessa idade, não me dá muito trabalho. Quando ele apronta qualquer coisa a gente conversa e entra em acordo. No fim da tarde eu coloco o DVD do Shrek que ele já viu mil vezes e ele nem pisca. Já o pequeno, de menos de 2 anos, que nem sequer conversa, ganhou da mãe o apelido carinhoso de "mini-tornado". Ele não para quieto um segundo, chora toda vez que ouve um "non" e quer testar a gente o tempo todo, fazendo todo tipo de "coisa errada". O problema é que depois disso tudo ele dá aquele sorriso mais fofo e vem pedir colo como se nada tivesse acontecido - dia desses a mãe deles chegou em casa e deu dois pedaços de chocolate para cada um. Ele veio prontamente, todo sorridente, me oferecer um dos pedaços, sem ninguém mandar ele fazer nada.

Na escola, tudo vai indo. A professora é bem bacana, mas péssima pra ensinar gramática. Ela simplesmente lê o material que preparou e se a gente fala que não entendeu ela relê. Tem dias que são bem chatos, mas tem outros em que ela arruma assuntos interessantes e complexos pra gente discutir, nos obrigando a fugir daquela coisa básica de todo curso de idioma no início (tipo conjugar "verb to be"em inglês, até você atingir um nível em que possa discutir e escrever coisas bem mais elaboradas). Em alguns momentos a dificuldade me irrita, pois fico me sentindo estúpida. Ao mesmo tempo me sinto estimulada e com vontade de não cometer o mínimo erro que seja, então acho que venho me esforçando mais.

Já a parte lúdica do meu "sejour" na França continua indo super bem. Como contei, no último fim de semana de maio fui para Annecy. O Thibaut foi de carro no sábado à tarde e, como ele ia correr o dia inteiro (ele começou às 3h da manhã e terminou às 18h), fui com as meninas da escola de trem no dia seguinte. A cidade é ma-ra-vi-lho-sa! Cercada de montanhas magníficas, com um lago enorme de água azulzinha e arquitetura fofa. Chegando lá fomos explorar a cidade. Subimos até o alto de um morro onde tem uma basílica a uma vista linda. Na descida tomamos sorvete e alugamos um barco tipo pedalinho (éramos 3 brasileiras, uma inglesa e uma indonesiana). Como o sol tava bem forte nesse dia, aproveitamos para colocar o biquini e pular na água (gelada). No fim da tarde fui ver a chegada do Thibaut e duas horas depois voltamos todas de carro com ele (sim, ele ainda teve forças para dirigir).

Na última quinta-feira, 2 de junho, foi feriado na França. Emendei a sexta nos meus dois empregos e fui para Paris. Cheguei lá quarta, meia noite, e o Thibaut estava me esperando na estação. Fomos para o apartamento da irmã dele, que nunca está lá (ainda bem, porque lá é bem pequeno). Quinta dormimos até bem tarde e depois fomos passear sem rumo e comer. No dia seguinte visitamos uma exposição de esculturas do Miró (eu decididamente prefiro o Miró pintor) e depois assistimos "The Hangover 2", que no Brasil é "Se beber não case" e na França "Very bad trip" (com sotaque, claro).

No sábado fomos para Houdan, uma cidadezinha perto de Paris, onde fica a casa de campo de um amigo do Thibaut. O felizardo tem um tio muito rico que foi comprar um castelo e resolveu comprar todas as casas ao redor (ou seja, o vilarejo inteiro) e dar de presente pra cada núcleo da família (além de um apartamento em Paris para cada sobrinho). Fizemos churrasco - leia-se um espetinho (alternando pedaços de carne, pimentão e tomate) e um bife (de porco) para cada pessoa, sem muito sal e com "ervas da provence". No dia seguinte acordamos tarde e começamos a assitir a final de Roland Garros, mas tivemos que ir embora na metade, pois eu ainda tinha que pegar o trem de Paris para Lyon.

Segunda fui para a escola, da escola para o trabalho, de um trabalho ao outro e a noite dormi. Ontem a mesma coisa, até chegar em casa com dor de estômago. Na verdade desde domingo eu estava passando mal, mas achando que era passageiro. Como a dor não ia embora, liguei para o meu seguro de saúde. Eles perguntaram se eu queria um médico em casa ou se eu preferia ir ao hospital, no que eu, inocentemente, pedi a segunda opção, pro caso de ter que fazer algum exame. Me passarem o endereço e disseram que o pessoal do hospital já estava sabendo que eu iria. Pois bem, Genevieve pegou o carro e foi me levar.

Sempre que vou com ela a algum lugar ela faz questão de anunciar, nada sutilmente, que eu sou brasileira. Ontem não foi diferente. Ela chegou na recepção e falou: "ela é uma jovem brasileira com dor de estômago e seu seguro a mandou vir aqui". A mulher da recepção, nada simpática, perguntou para Genevieve "onde estavam os papeis" e então falei que ela poderia falar comigo, pois eu falava francês. Ela foi menos simpática ainda e disse que meu seguro não valia nada lá e que eu queria dar um golpe e sair sem pagar.

Pequeno detalhe: eu fui a um hospital público. Só que isso, na França, não implica em gratuidade. Se você é francês, você vai, paga e o governo te reembolsa. Se você é estrangeiro, você tem um seguro saúde. Se você é ilegal, mendigo ou qualquer coisa parecida, bom, dá pra imaginar né. Voltando à história, tentei explicar que eu não tinha nenhum papel, pois o seguro tinha me falado que já tinha ligado para o hospital. Ela disse que não trabalhava com seguro e não tinha recebido nenhuma ligação. Pedi seu número e disse que pediria para o seguro ligar novamente, mas ela ficou repetindo insistentemente "que não era assim que funcionava" e eu ia ter que pagar. Daí ela pediu meu passaporte para fazer o registro e eu falei que não daria, pois precisava resolver a história do seguro primeiro. Ela ficou falando que se eu não desse o passaporte não ia ser atendida (no que eu falei: "eu não quero ser atendida sem saber quanto vocês vão me fazer pagar").

Nisso a Genevieve tomou partido da mulher e ficou insistindo para eu dar o passaporte, falando que no Brasil devia ser assim também, para eu não criar confusão, que meu seguro não era sério e etc. Tentei explicar, em vão, que no Brasil se você vai um hospital público você pode até morrer na fila, mas se você for atendido vai ser completamente de graça... Por fim eu dei minha data de nascimento e a mulher grossa fez uma ficha. Enquanto aguardávamos o atendimento Genevieve continuou me atormentando, falando que eu tinha sido grossa com a mulher, que ela devia ter trabalhado o dia inteiro, que eu não podia fazer isso, tadinha da mulher, etc...

Por fim a mulher da triagem me chamou e ela falou que queria ir junto. Eu falei que não, que ia sozinha e ela teve que repetir para todo mundo que eu era brasileira e estava de cabeça quente. Insisti que eu ia sozinha e ela me deixou ir. Nesse meio tempo o pessoal do seguro me ligou e eu contei toda a história. Dez minutos depois uma outra mulher do hospital veio me falar que eles tinham acabado de ligar para ela e estavam passando um fax para o hospital. Genevieve ainda teve que voltar na mulher grossa e contar isso, no que a infeliz ficou repetindo: "mas a gente não trabalha com seguro, não é assim".

Como estava demorando muito para eu ser atendida (afinal "só tinha 7 médicos de plantão, para menos de 15 pessoas, pois o sistema hospitalar está em crise"), resolvemos vir embora. Chegando aqui, o pessoal do seguro me ligou de novo e falou que na verdade a consulta já estava paga e que o fax foi só para mandar o comprovante. Genevieve ficou perguntando se eu não queria que ela fizesse isso, aquilo, aquilo outro e eu falei que a única coisa que eu queria era que ela me deixasse resolver tudo sozinha. Hoje o seguro me ligou várias vezes, até conseguirem um médico para vir me atender em casa. Ele disse que eu estou bem, apenas um pouco estressada e lembrou que nos últimos 4 meses minha alimentação mudou bastante. Passou uns remédios e agora tudo vai bem.

Claro que no Brasil também tem gente mal-humorada, estressada e grossa, mas sempre tenho a impressão de que aqui as pessoas são menos humanas, mais ligadas à burocracia e tem menos imaginação para resolver os problemas (é assim e pronto). Pelo menos eu me senti amparada o tempo todo pelo seguro, enquanto aqui eu não tive apoio nem da Genevieve... De ontem até hoje eles me ligaram 15 vezes, até ter certeza de que eu tinha sido atendida e tudo ia bem. A empresa é a Travel Ace Assistance e faz cobertura para toda a Europa. #ficaadica

Em 1o dias minha família vem me visitar (mãe, avó, tia, prima e marido da tia)!!!! Tem um tempo que estamos planejando, mas agora é a contagem regressiva. Vamos à Roma e à Paris. Espero atualizar mais uma vez antes disso.

À bientôt.