quarta-feira, 8 de junho de 2011

Les "hopitô" publiques*

*A escrita correta seria hopitaux, plural de hospital, mas preferi enfatizar a pronúncia...

Ontem eu estava decidida a chegar em casa e postar (pra limpar um pouco as teias de aranha), mas em vez disso cheguei em casa morrendo de dor de estômago, resolvi ir para o hospital e vivi uma desagradável aventura com o serviço público francês.

Já vou explicar o que aconteceu, mas antes preciso fazer um breve resumo da minha vida nas últimas duas semanas e meia. Como contei no último post, comecei a trabalhar também como babá e venho me saindo super bem - mas, mais do que nunca, tenho certeza de que não quero ter filhos tão cedo. O mais velho tem 4 anos. Fora as traquinagens normais de um menino dessa idade, não me dá muito trabalho. Quando ele apronta qualquer coisa a gente conversa e entra em acordo. No fim da tarde eu coloco o DVD do Shrek que ele já viu mil vezes e ele nem pisca. Já o pequeno, de menos de 2 anos, que nem sequer conversa, ganhou da mãe o apelido carinhoso de "mini-tornado". Ele não para quieto um segundo, chora toda vez que ouve um "non" e quer testar a gente o tempo todo, fazendo todo tipo de "coisa errada". O problema é que depois disso tudo ele dá aquele sorriso mais fofo e vem pedir colo como se nada tivesse acontecido - dia desses a mãe deles chegou em casa e deu dois pedaços de chocolate para cada um. Ele veio prontamente, todo sorridente, me oferecer um dos pedaços, sem ninguém mandar ele fazer nada.

Na escola, tudo vai indo. A professora é bem bacana, mas péssima pra ensinar gramática. Ela simplesmente lê o material que preparou e se a gente fala que não entendeu ela relê. Tem dias que são bem chatos, mas tem outros em que ela arruma assuntos interessantes e complexos pra gente discutir, nos obrigando a fugir daquela coisa básica de todo curso de idioma no início (tipo conjugar "verb to be"em inglês, até você atingir um nível em que possa discutir e escrever coisas bem mais elaboradas). Em alguns momentos a dificuldade me irrita, pois fico me sentindo estúpida. Ao mesmo tempo me sinto estimulada e com vontade de não cometer o mínimo erro que seja, então acho que venho me esforçando mais.

Já a parte lúdica do meu "sejour" na França continua indo super bem. Como contei, no último fim de semana de maio fui para Annecy. O Thibaut foi de carro no sábado à tarde e, como ele ia correr o dia inteiro (ele começou às 3h da manhã e terminou às 18h), fui com as meninas da escola de trem no dia seguinte. A cidade é ma-ra-vi-lho-sa! Cercada de montanhas magníficas, com um lago enorme de água azulzinha e arquitetura fofa. Chegando lá fomos explorar a cidade. Subimos até o alto de um morro onde tem uma basílica a uma vista linda. Na descida tomamos sorvete e alugamos um barco tipo pedalinho (éramos 3 brasileiras, uma inglesa e uma indonesiana). Como o sol tava bem forte nesse dia, aproveitamos para colocar o biquini e pular na água (gelada). No fim da tarde fui ver a chegada do Thibaut e duas horas depois voltamos todas de carro com ele (sim, ele ainda teve forças para dirigir).

Na última quinta-feira, 2 de junho, foi feriado na França. Emendei a sexta nos meus dois empregos e fui para Paris. Cheguei lá quarta, meia noite, e o Thibaut estava me esperando na estação. Fomos para o apartamento da irmã dele, que nunca está lá (ainda bem, porque lá é bem pequeno). Quinta dormimos até bem tarde e depois fomos passear sem rumo e comer. No dia seguinte visitamos uma exposição de esculturas do Miró (eu decididamente prefiro o Miró pintor) e depois assistimos "The Hangover 2", que no Brasil é "Se beber não case" e na França "Very bad trip" (com sotaque, claro).

No sábado fomos para Houdan, uma cidadezinha perto de Paris, onde fica a casa de campo de um amigo do Thibaut. O felizardo tem um tio muito rico que foi comprar um castelo e resolveu comprar todas as casas ao redor (ou seja, o vilarejo inteiro) e dar de presente pra cada núcleo da família (além de um apartamento em Paris para cada sobrinho). Fizemos churrasco - leia-se um espetinho (alternando pedaços de carne, pimentão e tomate) e um bife (de porco) para cada pessoa, sem muito sal e com "ervas da provence". No dia seguinte acordamos tarde e começamos a assitir a final de Roland Garros, mas tivemos que ir embora na metade, pois eu ainda tinha que pegar o trem de Paris para Lyon.

Segunda fui para a escola, da escola para o trabalho, de um trabalho ao outro e a noite dormi. Ontem a mesma coisa, até chegar em casa com dor de estômago. Na verdade desde domingo eu estava passando mal, mas achando que era passageiro. Como a dor não ia embora, liguei para o meu seguro de saúde. Eles perguntaram se eu queria um médico em casa ou se eu preferia ir ao hospital, no que eu, inocentemente, pedi a segunda opção, pro caso de ter que fazer algum exame. Me passarem o endereço e disseram que o pessoal do hospital já estava sabendo que eu iria. Pois bem, Genevieve pegou o carro e foi me levar.

Sempre que vou com ela a algum lugar ela faz questão de anunciar, nada sutilmente, que eu sou brasileira. Ontem não foi diferente. Ela chegou na recepção e falou: "ela é uma jovem brasileira com dor de estômago e seu seguro a mandou vir aqui". A mulher da recepção, nada simpática, perguntou para Genevieve "onde estavam os papeis" e então falei que ela poderia falar comigo, pois eu falava francês. Ela foi menos simpática ainda e disse que meu seguro não valia nada lá e que eu queria dar um golpe e sair sem pagar.

Pequeno detalhe: eu fui a um hospital público. Só que isso, na França, não implica em gratuidade. Se você é francês, você vai, paga e o governo te reembolsa. Se você é estrangeiro, você tem um seguro saúde. Se você é ilegal, mendigo ou qualquer coisa parecida, bom, dá pra imaginar né. Voltando à história, tentei explicar que eu não tinha nenhum papel, pois o seguro tinha me falado que já tinha ligado para o hospital. Ela disse que não trabalhava com seguro e não tinha recebido nenhuma ligação. Pedi seu número e disse que pediria para o seguro ligar novamente, mas ela ficou repetindo insistentemente "que não era assim que funcionava" e eu ia ter que pagar. Daí ela pediu meu passaporte para fazer o registro e eu falei que não daria, pois precisava resolver a história do seguro primeiro. Ela ficou falando que se eu não desse o passaporte não ia ser atendida (no que eu falei: "eu não quero ser atendida sem saber quanto vocês vão me fazer pagar").

Nisso a Genevieve tomou partido da mulher e ficou insistindo para eu dar o passaporte, falando que no Brasil devia ser assim também, para eu não criar confusão, que meu seguro não era sério e etc. Tentei explicar, em vão, que no Brasil se você vai um hospital público você pode até morrer na fila, mas se você for atendido vai ser completamente de graça... Por fim eu dei minha data de nascimento e a mulher grossa fez uma ficha. Enquanto aguardávamos o atendimento Genevieve continuou me atormentando, falando que eu tinha sido grossa com a mulher, que ela devia ter trabalhado o dia inteiro, que eu não podia fazer isso, tadinha da mulher, etc...

Por fim a mulher da triagem me chamou e ela falou que queria ir junto. Eu falei que não, que ia sozinha e ela teve que repetir para todo mundo que eu era brasileira e estava de cabeça quente. Insisti que eu ia sozinha e ela me deixou ir. Nesse meio tempo o pessoal do seguro me ligou e eu contei toda a história. Dez minutos depois uma outra mulher do hospital veio me falar que eles tinham acabado de ligar para ela e estavam passando um fax para o hospital. Genevieve ainda teve que voltar na mulher grossa e contar isso, no que a infeliz ficou repetindo: "mas a gente não trabalha com seguro, não é assim".

Como estava demorando muito para eu ser atendida (afinal "só tinha 7 médicos de plantão, para menos de 15 pessoas, pois o sistema hospitalar está em crise"), resolvemos vir embora. Chegando aqui, o pessoal do seguro me ligou de novo e falou que na verdade a consulta já estava paga e que o fax foi só para mandar o comprovante. Genevieve ficou perguntando se eu não queria que ela fizesse isso, aquilo, aquilo outro e eu falei que a única coisa que eu queria era que ela me deixasse resolver tudo sozinha. Hoje o seguro me ligou várias vezes, até conseguirem um médico para vir me atender em casa. Ele disse que eu estou bem, apenas um pouco estressada e lembrou que nos últimos 4 meses minha alimentação mudou bastante. Passou uns remédios e agora tudo vai bem.

Claro que no Brasil também tem gente mal-humorada, estressada e grossa, mas sempre tenho a impressão de que aqui as pessoas são menos humanas, mais ligadas à burocracia e tem menos imaginação para resolver os problemas (é assim e pronto). Pelo menos eu me senti amparada o tempo todo pelo seguro, enquanto aqui eu não tive apoio nem da Genevieve... De ontem até hoje eles me ligaram 15 vezes, até ter certeza de que eu tinha sido atendida e tudo ia bem. A empresa é a Travel Ace Assistance e faz cobertura para toda a Europa. #ficaadica

Em 1o dias minha família vem me visitar (mãe, avó, tia, prima e marido da tia)!!!! Tem um tempo que estamos planejando, mas agora é a contagem regressiva. Vamos à Roma e à Paris. Espero atualizar mais uma vez antes disso.

À bientôt.

Um comentário:

  1. Que raiva dessa mulher! Já me trataram mal em um hospital, mas nunca tive que brigar para ser atendida.
    Será que é a "fama de brasileiro" que fez ela pensar que você ia passar a perna? Espero que não... =(
    E que sistema de saúde bizarro. O que você faz se não tiver dinheiro na hora para pagar? Morre?

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